domingo, 17 de fevereiro de 2008

SATÂNIA. NOVELAS

COLECÇÃO PIRA PÚBLICA

A nossa primeira colecção, “Pira Pública”, começa com a publicação da obra duma mulher que nos agita profundamente.
Foi o reflexo transgressor da sua vida, expressado na sua obra, que queremos tirar do silêncio e da aversão com que foi enterrada. Já houve várias vozes que a reclamaram e, felizmente, ainda o fazem. Com elas queremos juntar-nos mais uma vez e, mais uma vez, dar eco à esta memória esquecida. À esta figura que falou sozinha perante o monstro do preconceito: Judith Teixeira.
O nome da colecção é uma triste homenagem à autora, baseada em factos concretos de sua biografia, assim como de muitas outras vidas desconhecidas que foram queimadas em fogueiras por serem consideradas ameaças à ordem estabelecida ou imposta: O seu primeiro livro Decadência foi queimado numa Pira Pública por “corromper a moral” e os costumes inamovíveis da época, juntamente com os livros de António Botto e Raúl Leal, em Março de 1923. Com este significado demos nome à presente colecção, que, simbolicamente, pretende devolver a voz à pessoas esquecidas, infra-valoradas ou silenciadas com violência.
Satânia. Novelas é o seu último livro publicado em vida, duas novelas juntas sob o título homônimo da primeira com que abre o volume.
Ao lê-la, sentimos todo o erotismo e voluptuosidade da sua poesia reunida numa “só” voz transgressora. Sentimos a fusão da sua poesia encarnada com à denúncia do que não se quer ouvir. Do que é estático, do que não se quer renovar, do que não progride.

Deixamos isto no ar. Cabe a cada um dar a sua apreciação.

“A madrugada acordara morna e luminosa descerrando a carne tenra dos lírios; dos lírios que perdiam a sua candura abrindo as pétalas, distendendo-as num rumor quente, para receberem no seu sexo o pólen doirado e fecundante, espalhado pelo vento ou trazido nas patas peludas das abelhas que vinham sugar o mel puríssimo do seu sangue.
Foi a essa hora de suavidade e de esperança que Maria Margarida adormecera.
Tivera uma noite de febre. Não pudera ler. Os livros ficaram-lhe abandonados sobre o linho macio do leito em desordem.”

TEIXEIRA, Judith: Satânia. Novelas. Colecção Pira Pública, Edições Varicelas, Lisboa 2008.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O nascimento de Edições Varicelas

Esta editora nasce da confusão, do caos de ideias, da necessidade de agir sob múltiplas direcções, sem Futuro predefinido.
A casa desta editora constrói-se mediante o derribo constante das suas paredes, muros e telhado.
As pessoas que fazemos parte dela, a constituímos incompetentemente, sem recursos, sem preparação, sem experiência nenhuma, sem currículos de sucesso.
Não a sabemos descrever, pois não se encaixilha em nenhuma das áreas de especialização.
Os livros publicados são de autores desconhecidos, esquecidos, silenciados. Não vendem.
O nosso critério é indefinido, deformado, não aceite dentro da competição. Desconhecemos o mercado.
Cada dia as nossas opiniões mudam, somos incoerentes e contraditórias. Ainda estamos à procura de um ideal que satisfaça as nossas inquietações.
A nossa é uma escolha perpétua de tribo, grupo, classe, com a qual participarmos cegamente.
Não estamos capacitadas com virtudes empresariais. Não sabemos qual é a nossa identidade. Ignoramos o que é a vocação.
O nosso discurso não é adulto, convincente ou estável. Por isso, dizem, não sabemos nada da vida e agimos impulsivamente. Tentamos desculpar e compreender invariavelmente.

Conhecemos o nosso lugar, localizado na marginalidade. Na invalidez. Nos escombros da sociedade de êxito. O nosso lugar está condenado ao fracasso ininterrupto.
Mas é na indignação, na desconformidade, na inadaptação aos moldes, onde nós subsistimos. Começando pelo facto de sermos mulheres.
É aqui o lugar onde se localizam as vozes dissonantes, apagadas, baixinhas, os vírus e os restos de perfeição heróica inatingível.Algures, longe das auto-estradas e das sinalizações absolutas, únicas e verdadeiras, nós damos-te a mão.